quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ar de bulei

O povo daqui é uma delícia. Mesmo sem dentes, sorriem. Mesmo sujos, têm um ar simpático. E onde quer que vamos, olham-nos com curiosidade, como se nunca tivessem visto tal engenhoca. O que é estranho, pois Jakarta possui uma colecção de ocidentais de fazer inveja a qualquer país sob intervenção da ONU (excepto Dili, a cidade estado da ONU).

Onde sinto mais este escrutínio é no TransJakarta, substituto indonésio (bem pensado mas mal concretizado) de um metro que a cidade nunca vai poder ter, sob pena de afundar. O TransJakarta percorre a cidade de uma ponta a outra, através das suas vias principais, e é um autocarro com uma via de rodagem só para si. Não me refiro à faixa de Bus portuguesa, repleta de taxistas e condutores impacientes que vão "virar já a seguir". Esta faixa está dividida, e é efectivamente respeitada pelos outros condutores. É um paraíso no caos que é o trânsito de Jakarta. As estações no centro são próximas umas das outras, o que é bom, dado que o calor que assola a cidade em permanência (estes amenos 30 graus) equiparam o mínimo percurso a uma meia maratona.

Voltando ao que interessa: o escrutínio transjakartiano. Desde o primeiro momento em que entro no autocarro sinto sempre um par de olhos que me analisa. A cara do escrutinador, impávida, apenas denuncia o espanto pela duração do olhar que deixa cair em mim. Mira, volta a mirar, quase lhe ouço os pensamentos "Mas onde está o motorista deste bule aqui?". Bule (ler bulei). Somos nós. Os branquelas ocidentais. Aqueles que, pela ausência de passeios nesta cidade, pela amena temperatura já referida, e pelos miseráveis salários-padrão locais, se permitem contratar um motorista 24/7.

Posso ser bule, mas sou tudo menos rica. A viagem no TransJakarta é sempre uma experiência sociológica. Não existe qualquer noção de espaço pessoal. A falta de espaço dá muitas vezes lugar a uma fabulosa dança ao sabor das travagens do condutor, os corpos encostados uns aos outros, balançando de um lado para o outro numa sincronização invejável. E não esquecer a etiqueta indonésia que obriga todos a seguirem os chamamentos da natureza. Pois se o ar entra, também tem de sair. E o resto, que vá cheirar para outro lado.

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